Uma história cheia de nada

Num país onde o futebol consegue ser mais importante para a sociedade do que certos problemas sociais, onde se agride e insulta pessoas por um “simples complexo” amor ao clube, há um clube com 112 anos de antiguidade que não tem a visibilidade que seria de esperar. Trata-se do Sport Clube Vianense, fundado em 1898.
Por Fábio Lima

Não é um clube que vence tudo o que há para vencer numa época, não é um clube que arraste consigo multidões, não enche estádios e muito menos atinge receitas na casa dos milhões. Mas é um clube histórico, 112 anos de existência, apenas coroados de uma história cheia de nada, um vazio de títulos que em nada se coaduna com a história e tradição que devia ter.

Fundado em 1898, o Sport Clube Vianense nasceu impulsionado por um grupo de personalidades vianenses que se juntou com o intuito de criar uma instituição que promovesse o desporto na cidade. A criação do Sport Clube Vianense «vai estabelecer nesta cidade um grémio para desenvolvimento daqueles e outros géneros de desporto (…) que, nos últimos tempos, têm tomado entre nós um verdadeiro entusiasmo», podia ler-se no primeiro manifesto do clube, no dia em que foi apresentado aos populares. Nesse primeiro acto, 75 sócios ficaram inscritos. As vertentes mais importantes na altura eram o desporto velocipédico e o náutico, este último intimamente ligado às raízes da cidade, uma cidade piscatória. Aliás, durante muitos anos no século XX, o clube era entendido como sendo «o clube dos pescadores», onde o bairrismo e a devoção ao clube eram reais.

Agora, em pleno século XXI, o clube está abandonado pelos seus e, por vezes, nem uma dezena de espectadores o Estádio Dr. José de Matos tem nos jogos caseiros. Durante os jogos, quer a equipa esteja a ganhar por 1-0 ou por 5-0 o aspecto é igual, um silêncio sepulcral. Não há vontade, nem sentimento para apoiar o clube, para gritar por um momento que seja “Vianense!”. Quem acompanha a carreira do clube, certamente se recorda da temporada de 2007/2008, quando o Sport Clube Vianense atingiu um lugar de subida à 2ª Divisão Nacional. Num cenário raro para o clube minhoto, mais de três centenas de pessoas estavam a assistir ao jogo e via-se ânimo e vontade de apoiar, mas para quê? Um ano depois, o estádio volta a estar vazio e os jogadores entregues aos seus próprios incentivos interiores. Se muitos vianenses soubessem que apenas três equipas da Liga Sagres (FC Porto, Naval 1º de Maio e Académica de Coimbra) são mais antigas que o clube da sua terra, talvez a situação fosse diferente?

Marco Alexandre, capitão da equipa sénior, é um dos jogadores em quem os – poucos – vianenses que vêm os jogos mais esperam que faça a diferença. O médio natural da cidade do Rio Lima, falou-nos do que sente em ser capitão do clube que da sua terra. «É um grande orgulho, é uma grande responsabilidade. Nasci aqui em Viana do Castelo e fiz a minha formação toda no Vianense e é com grande orgulho que estou a capitanear esta equipa». «Enquanto jogador também sinto esse orgulho. Quando comecei nos infantis, como todos os miúdos que começam a jogar futebol, o sonho é jogar pela equipa principal. Eu não fugi à regra e consegui esse objectivo. Depois entretanto tive umas saídas para outros clubes mas acabei por regressar e deve ser aqui que vou acabar a carreira», finaliza o jogador de 32 anos que já esteve vinculado ao Sporting de Braga.

Também Rogério Brito, ex-jogador do clube, agora treinador da formação minhota confirma-nos que o facto de treinar as cores da equipa que o viu nascer para o futebol é um marco muito importante. «Sinto muito orgulho em ser o treinador do Sport Clube Vianense porque foi uma casa onde eu cresci. Cheguei cá com oito anos, foi aqui que me formei enquanto jogador, e também foi aqui que além de ter tido a oportunidade de ser atleta de alta competição nos clubes onde passei, foi aqui também que tive oportunidade de ser treinador principal.»

O treinador de 33 anos, que chegou a alinhar nos primo-divisionários Estrela da Amadora e Belenenses garante que as metas para esta época estão bem alinhavadas, e o clube deve manter-se onde está. «Eu acho que o clube tem o que é preciso para subir mais alto, mas é uma tarefa muito difícil. Não é pelo orçamento em si, mas sim pela juventude que temos no plantel. E as equipas que estão neste campeonato são equipas muito experientes, equipas com orçamentos muito elevados, e consequentemente conseguem ter jogadores com outra maturidade, com outra matreirice. Jogadores que conhecem esta e outras divisões, e isso é um factor que joga contra nós. Apesar disso e apesar de alguns dos jogadores que aqui temos ainda estarem em período de formação, eles têm talento e isso pode-se comprovar na nossa classificação ao momento. Mas o principal objectivo visa garantir a manutenção.»

Opinião semelhante tem o Vice-Presidente do clube Pedro Xavier que afirma que «o Sport Clube Vianense na 2ª Divisão vai querer manter-se no final desta época. De qualquer das formas este é um projecto que tem vindo a ser cimentado desde há três anos, desde que esta direcção chegou a este clube, apanhamos o clube numa situação muito delicada em termos financeiros e desportivos. Recordo-me que a equipa de futebol Sénior estar a lutar para não descer aos Campeonatos Distritais, depois conseguimos encaminhar as coisas e manter uma posição na 3ª Divisão nacional durante as duas primeiras épocas e depois conseguimos alcançar a subida à 2ª Divisão. De qualquer das formas, é na 2ª Divisão que o Sport Clube Vianense se deve manter até porque a cidade não oferece mais garantias para que possamos sonhar com outros patamares. O grande objectivo passa por manter esta equipa durante bastantes anos na 2ª Divisão.»

No meio de tanta falta de história, o momento mais alto que o clube viveu foi em 1999, quando o Vianense foi campeão nacional da 3ª Divisão. Joaquim Lavarinhas, funcionário no clube há mais de 35 anos recorda-nos com emoção esses momentos, vividos na fila da frente, sempre a lutar pelo melhor para o clube. «Na Figueira da Foz houve uma coisa muito bonita, a cidade juntou-se com o clube, apoiando-o até ao último momento para sermos campeões da 3ª Divisão Nacional. Depois disso prometeu-se tudo e mais alguma coisa, mas essas promessas nunca foram cumpridas. Prometeram ajudar o Sport Clube Vianense e o Vianense continua a não ser ajudado por quem prometeu. Foi uma festa muito bonita, eu próprio estive envolvido na festa pois criei uma claque composta maioritariamente por jovens que foi até à Figueira da Foz para apoiar o Sport Clube Vianense. Foram muitos autocarros, muitos carros, tudo para festejar o grande dia do Sport Clube Vianense. Porque é mesmo um grande dia, foi a primeira vez em muitos anos em que o Vianense conquistou o título da 3ª Divisão Nacional. Recordo-me de estar na Praça da República a festejar a conquista, com muito fogo-de-artifício. Só que eu continuo a achar a mesma coisa ao fim de 35 anos: é muito bonito ver essas coisas todas, mas o apoio ao Sport Clube Vianense é muito fraquinho. Eu esperava que a nível de entidades fosse dado um apoio digno ao Vianense se querem, pelo menos, um Vianense na 2ª Divisão de Honra (Liga Vitalis).»

Uma das questões que se colocam mais quando se fala na falta de apoios e também na consequente pequena dimensão do clube prende-se com o baixo poder de compra dos cidadãos do distrito do Alto Minho. De acordo com os últimos dados fornecidos pelo INE em 2007, o distrito do Alto Minho possui apenas 1,688% da percentagem nacional de poder de compra, tendo menos de metade do poder de compra do distrito vizinho, do Baixo Cávado. Aliás, apenas Trás-os-Montes consegue atingir níveis mais baixos que os minhotos. É neste ponto que Pedro Xavier toca quando fala da falta de apoios do clube, apesar de considerar que a falta de interesse das pessoas em apoiar o clube também seja um dos entraves. «O problema de o clube não poder ambicionar a subida é a falta de apoios. Como se sabe, o distrito de Viana do Castelo é dos mais pobres do país, e além disso não há apoios suficientes. A Câmara Municipal não dá o apoio necessário, sabemos que são muitas colectividades mas temos que ter consciência que o Sport Clube Vianense já tem 112 anos e dessa forma pensamos que devia ser mais apoiado. Porque, como se sabe, o futebol é uma máquina que gera movimento, nomeadamente de gente, e a cidade precisa disso: gente, movimento... Para que possa crescer. E o Sport Clube Vianense devia ser uma rampa de lançamento para que esse movimento na cidade pudesse crescer, não acontece assim, a Camara não apoia, o povo não está muito interessado. E o facto de o poder de compra das pessoas ser muito baixo faz também com que o clube não possa ir mais além.»

«Lembro-me da primeira vez que cheguei ao balneário dos Seniores tive que me equipar à parte dos elementos mais velhos. Eu tinha apenas dezassete anos, na altura estávamos na 3ª Divisão, recordo-me que o treinador era o Mister Jorge Regadas, para esse treino fui eu e outros dois colegas. Quando chegamos ao balneário, batemos à porta, cumprimentamos os restantes e quando entramos lá para dentro, meteram-nos meia hora ali de pé à espera que eles se acabassem de equipar e depois fomos nós. Como miúdos tivemos que aceitar», é assim que Rogério Brito recorda um dos muitos momentos que viveu no Sport Clube Vianense, um clube que apesar de já ter conhecido 3 séculos, continua a ser uma incógnita, deixando ainda mais longe Viana do Castelo das demais capitais de distrito do Litoral. Em termos desportivos, a tendência tem-se alterado com a recente ascensão da formação da Juventude de Viana no Hóquei em Patins, mas o futebol é o desporto-rei e se as instituições tivessem os apoios mais sérios, talvez Viana do Castelo pudesse ter uma dimensão desportiva e mesmo social bem mais elevada da que se verifica neste momento.

Assiste-se no Distrito de Viana do Castelo ao desaparecimento progressivo de alguns clubes míticos, como é exemplo o Atlético de Valdevez, que após a falta de apoio tanto camarário como de entidades, acabou por cessar funções em Janeiro deste ano. É um cenário negro para um distrito que já respirou mais livremente em termos económicos.

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