Por Joana Perez

É um assunto polémico, mas que poucos conhecem verdadeiramente. "Maria Monteiro", professora há mais de trinta anos e a leccionar, actualmente, as disciplinas de Português e Inglês ao 5.º ano, explica à Redacção 2.3 as diferentes razões em torno do novo Acordo Ortográfico.
Redacção 2.3: Suponho que esteja a par do Novo Acordo Ortográfico?

Maria Monteiro: Conheço a versão do documento apresentada em 1990 e aprovada pelo governo português em 1995. Este documento gerou muita polémica e houve uma publicação da Dra. Edite Estrela «A questão do acordo» que veio semear muita controvérsia.

R2.3: E a versão actual?

MM: Bem, não quero aprofundar a questão sem antes esclarecer alguns pontos, para que melhor se entenda o que causa tanta polémica. Com a independência de Timor Leste e a decisão de adoptar a Língua Portuguesa como língua oficial, houve necessidade de rever o protocolo existente entre os países que adoptaram como língua oficial a Língua Portuguesa. Com a aprovação do Segundo Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, em 2004, ficou determinado que bastava a ratificação de três membros para o acordo entrar em vigor. No mesmo ano, o Brasil ratifica o acordo e, mais tarde, o mesmo é ratificado por S. Tomé e Príncipe e Cabo verde, possibilitando assim a entrada em vigor do acordo. Em 2008 Portugal aprova o acordo e, concordemos ou não, ele já está em vigor.

R2.3: Então, visto que já entrou em vigor, este acordo vai obrigar todos os falantes a reverem a forma como escrevem?

MM: O maior problema está nos falantes do Português de Portugal, já que nos outros países onde se fala Português, o acordo veio ao encontro das suas dificuldades e necessidades, porque o Português aprendido nas ex-colónias usava vocabulário já há muito em desuso em Portugal. Além disso, a existência de duas línguas oficiais (O Português de Portugal e o Português do Brasil) obrigava a traduções diferentes de um mesmo livro, documento, etc.

R2.3: Então acha que o acordo tem mais vantagens do que desvantagens?

MM: Preferia não falar em vantagens ou desvantagens, mas sim em facilitar a comunicação entre os vários falantes de uma língua. Mas, claro, se me perguntar qual é a minha opinião, não consigo ter uma posição fria em relação ao assunto, isto é, não consigo ser a favor nem consigo estar contra.

R2.3: Como assim?

MM: Como professora, sei da dificuldade que os alunos encontram em escrever e, de um momento para o outro, dizer aos alunos que uma determinada palavra já não se escreve dessa maneira pode trazer muita discussão e gerar algumas dificuldades. Eu própria me recordo dos tempos de escola em que escrevia certas palavras com ph, que hoje se escrevem com f e esta mudança custou um pouco a entender. Também ensinei Português a luso-descendentes, nascidos na América do Norte, que falavam a língua, mas não conheciam o Português escrito, e verifiquei a sua dificuldade em acentuar as palavras. Por este tipo de dificuldades, pode entender que não posso assumir uma posição pró ou contra.

R2.3: Essa dificuldade é compreensível pelo facto de não existirem acentos na Língua Inglesa.

MM: Nós, professores, entendemos isso, mas torna-se difícil corrigir um texto escrito que sem acentos fica quase incompreensível. No meu caso pessoal, compreendo pelo sentido da frase, se estiver bem estruturada. Há, contudo, o problema do conhecimento do vocabulário. O próprio acordo remete para a consulta do Vocabulário ortográfico da língua portuguesa.

R2.3: Na sua opinião, o que deveria ser feito para que o acordo funcionasse?

MM: Existem mais de 230 milhões de falantes da Língua Portuguesa e, como é sabido, em Portugal somos apenas 12 milhões. Como minoria, pouco peso temos. Mas sendo Portugal o país que colonizou e deixou marcas por todo o mundo, pergunto-me se não devia impor a sua soberania. Para mim a língua é um dos símbolos mais importantes que contribui para a identidade de um povo. Não vamos deixar de falar Português, mas há marcas da língua que são únicas e têm origem em étimos que nada têm a ver com as ex-colónias.

R2.3: Considera, então, que o Governo português não tomou posição face às desigualdades do acordo?

MM: Não sei o que está na base dos sucessivos protocolos, mas sei que podia ter havido uma maior aposta no apoio ao ensino da língua. Há pouco, para não dizer quase nenhum, apoio ao ensino português nos países falantes e nos países em que a população de origem portuguesa tem já uma grande representação. Se o português é conhecido, em parte deve-se ao português do Brasil, porque em Portugal não há interesse na divulgação e a literacia acaba por ser pobre. Os livros são caros e quando traduzidos ainda mais, mas não necessariamente bons, isto é, boas traduções. Hoje em dia o português não é conhecido por quem fala a língua e defendem-se mais os estrangeirismos do que a manutenção da expressão ou da palavra em Português.

R2.3: Não estará relacionado com o facto de todos terem maior acesso a uma linguagem mais técnica?

MM: Está relacionado, mas há pouca preocupação em defender o que é português e não me refiro apenas à língua.

R2.3: Compreendo. Muito obrigada, Dra. Maria Monteiro por responder a estas perguntas.

MM: Eu também agradeço a oportunidade de poder falar sobre o assunto e alerto para que todos se informem do que é, de facto, o Novo Acordo Ortográfico, para poderem estar mais actualizados.

0 Comments:

Post a Comment