Por Isa Mestre



Quando o leu pela primeira vez Saramago disse ter tido a clara sensação de «estar a assistir a um novo parto da Língua Portuguesa». valter hugo mãe, vencedor do Prémio Saramago em 2007, nascera trinta e cinco anos antes da distinção, na humilde cidade de Saurimo, em Angola. Hoje, em entrevista, o escritor que agitou os sismógrafos da literatura portuguesa abre-nos a porta dos seus pensamentos e deixa-nos antever uma nesga dos projectos futuros. Paciente, simples e profundo, o escritor português diz buscar apenas «tudo quanto existe dentro de si e dos outros». Rejeita a palavra triunfo e encara a sua afirmação no panorama literário português com a única tradução da palavra sucesso em que acredita: gratidão.

Redacção 2.3: Conte-nos um pouco acerca do seu percurso literário… Que dificuldades enfrentou? Como conseguiu triunfar no mundo da literatura nacional? O que sentiu ao ver um livro seu publicado pela primeira vez?

vhm: Não gosto da palavra triunfo, parece que estou em alguma corrida ou concurso. Parece que para eu ganhar alguém teria de perder. Não vejo as coisas assim, trabalho no que sempre quis, escrevo com a convicção de que é o melhor que posso dar aos outros. Se acontece de os meus livros serem cada vez mais lidos, talvez seja da natureza do tempo, da natureza dos que persistem e acreditam em algo.

R2.3: A ausência de maiúsculas é uma das características da sua escrita. É um modo de criar um estilo próprio ou apenas uma preferência ao nível literário?

vhm: Tem que ver com muita coisa. Com a aceleração do texto, a mesma dignificação das palavras, a limpeza formal e o desafio literário que me coloca.

R2.3: Foi vencedor de dois dos prémios mais conceituados em Portugal: o Prémio de Poesia Almeida Garrett e o Prémio Saramago. Sente de alguma forma o peso do seu sucesso?

vhm: Sinto-me grato. Talvez essa possa ser uma tradução da palavra sucesso em que acredito: a gratidão.

R2.3: Como caracterizaria o valter hugo mãe que encontra quando escreve?

vhm: Um rapaz com uma necessidade profunda de encontrar tudo quanto existe dentro de si e dos outros. Muito ansioso no acto da escrita, muito paciente e calmo para a vida dos livros.

R2.3: Como é ser escritor no século XXI?

vhm: Talvez usar de uma maior rapidez. Não sei. O Camilo escreveu como um escravo, foi rápido, sem dúvida. Não sei. Mas acho que, no que me diz respeito, sinto o nosso mundo como profundamente acelerado em relação ao que terá sido até décadas atrás. Na torrente, escrever neste tempo é estar sujeito (ou poder estar) a uma vertigem que traz novos ritmos para a escrita e para a leitura.

R2.3: Em duas palavras, como caracterizaria a literatura portuguesa?
vhm: Muito boa.

R2.3: José Saramago afirmou, em 2006, que o seu romance remorso de baltazar serapião se tratava de uma revolução. O Nobel diz ter tido a sensação de estar a assistir a um novo parto da Língua Portuguesa. Considera-se rebento de uma nova geração de talentos?

vhm: Hummm. Faço parte de uma geração, mas já não acho que seja mesmo a nova. Estou com 37 anos e careca. Isso de dizerem que sou um jovem escritor é só porque há gente mais velha. Mas a nova geração de escritores já são outros. Eu talvez faça parte de uma geração que, subitamente, se demarca. Também tem que ver com o tempo. É o tempo de o público descobrir o nosso trabalho. Tarda nada, viramos clássicos (se tivermos mesmo sorte) e depois o público vai querer saber de gente que já nasceu depois de nós. É natural.

R2.3: A sua poesia está traduzida em países como Espanha, Brasil, República Checa, Tunísia, Israel e até mesmo Estados Unidos. Qual a sensação de ser lido um pouco por todo o mundo?

vhm: É bom, isso de podermos comunicar com um público tão lato que ultrapassa já fronteiras e línguas. No entanto, cria também algumas angústias. O processo de tradução revela sempre algumas dificuldades em reproduzir o mesmo efeito numa língua diferente. Mas vamo-nos habituando. Faz parte.

R2.3: Qual a mensagem que pretende passar ao mundo com a sua escrita?

vhm:
Muitas. Talvez a mais permanente é a de que considero que devemos acreditar e exigir mais da humanidade, em detrimento de ilusões religiosas e políticas de ego.

R2.3: Que projectos podemos esperar para o futuro? Está para breve o lançamento de um novo livro?

vhm: Estou a escrever o meu novo romance (ainda sem título). Deverá sair apenas em 2010. Entretanto foram publicados pela Booklândia dois livros meus para crianças, «A verdadeira história dos pássaros» e «A história do homem calado». Estou muito entusiasmado com estes livros e quero seguir a colecção com novos títulos. Sempre quis escrever para os mais novos, agora sinto que chegou o tempo de o fazer.

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